ANÁLISE CRÍTICA E HISTÓRICA DAS EDITORAS DE LIVROS
Eu tenho participado de muitas discussões sobre copyright/direito autoral recentemente e após muito refletir, resolvi escrever esse post e mais outro que virá em breve (sobre gravadoras e produtoras, aguardem), fiz muitas pesquisas, quase um mês de leitura, foram 4 livros e centenas de páginas da internet, sempre me preocupando com a veracidade dos fatos, procurando a origem da história e, ao mesmo tempo, trazer para o post a fonte da informação, referência do todo esse trabalho. Ao escrever esse post optei por fazer a seguinte divisão, primeiro acima da matéria, a análise crítica do processo, depois faço a descrição histórica resumida e por fim as fontes, referências, de onde eu tirei toda a informação, aliás inteiramente disponível na internet.
A discussão, geralmente, ocorre com as empresas justificando sua luta desesperada para garantir o copyright e, consequentemente, seus lucros. O argumento apresentado é a propriedade da obra, daí quase tudo que resulta da obra e seus derivados, assim como valores de venda ou serviços, pertencem ao dono. Do outro lado existem pessoas que baixam arquivos na internet e querem continuar baixando de graça. No meio dessa guerra existem aqueles que eram proprietários de obra e venderam seus direitos para as empresas e, também, os que baixam arquivos mas acreditam que compartilhar é um direito e todos deviam ter acesso a cultura e conhecimento, grátis e livre. Será que sempre foi assim, sempre houve essa discussão? Como tudo começou?
Em minha pesquisa tive que fazer uma viagem no tempo e retornar até o século XV, quando da invenção da prensa e do tipógrafo, por Gutenberg. No início não havia o direito do autor e a cópia era autorizada somente pelo poder feudal IGREJA + REI. Quando o tipógrafo surgiu alterou completamente esse quadro e mesmo queimando muita gente não conseguiram impedir a reprodução dos livros. Aí surgiram os primeiros piratas, desobedeciam as leis e imprimiam livros. Com o tempo, não foi possível evitar a transformação social que resultou da aparição desse invento e a sociedade incorporou a impressão de livros, os governantes passaram a nomear os impressores, para melhor controlar, claro. Mas mesmo assim, outros impressores surgiam, se revoltavam por não poder imprimir os livros, que então eram exclusividade dos nomeados, e imprimiam clandestinamente, principalmente livros censurados, vejam outros piratas!
Martim Lutero imprimiu ilegalmente, contra a igreja católica, a bíblia em alemão e se tornou, talvez, o primeiro pirata famoso e muitos outros o fizeram depois. Neste período surgiram os missionários protestantes e um fundou uma empresa que é motivo de nossa análise. Bertelsmann, a segunda maior editora do mundo, proprietária da RCA e EMI, gravadoras famosas. Iniciou, também, com livros religiosos no século XIX, sem copyright, e depois seus descendentes seguiram com a empresa e enriqueceram. Imaginam como? Sua empresa era pequena até meados de 1930 quando apoiou o nazismo e seus lucros foram absurdos, inclusive usando judeus sem remuneração. Esse não era pirata com certeza, mas, como uma empresa dessas pode exigir que o conhecimento e a cultura não possam ser compartilhadas, quando ela mesma abusava até dos direitos humanos mais básicos? A outra empresa também não fica atrás. A editora Longman foi criada em 1724, mas comprou os direitos de William Taylor que era impressor nomeado pelo Rei em 1714, esse por sua vez era proprietário de uma livraria que também imprimia livros, que existia desde 1640, anterior ao copyright (1710). Então Longman começou com uma livraria sem que os autores recebessem algum valor por suas obras, já que a exclusividade impedia que os autores comercializassem sua própria obra, então eram obrigados a vendê-la, obviamente a preços irrizórios, aos impressores nomeados. Assim surgiu a Longman, mas essa não é a pior parte, ela foi comprada pela Pearson, que a transformou na maior editora do mundo atualmente. A Pearson, foi criada quase na mesma época, só que era construtora, e seu criador Weetman Pearson, além de deter cargo público e representar os interesses do governo inglês no México, fez contratos com o ditador mexicano Porfírio Diaz, para diversas obras e exploração do petróleo. Em suas empresas no México o funcionário não recebia salário, só vale, e esse vale apenas poderia ser usado nos armazéns da Pearson, cujos preços eram em média 18% mais caro que o mercado. Mais um que usou trabalhadores como escravos! Então temos duas empresas, em ambas os proprietários exerceram cargos públicos, apoiaram ditadores, se utilizaram de trabalho forçado, e no período referente ao seu início não havia copyright para obras estrangeiras, ou seja, pirateavam as obras de outros países! Somente no final do século XIX começaram a surgir algumas leis que protegiam as obras estrangeiras, nos EUA, por exemplo, a lei de copyright surgiu praticamente junto com a república, mas não protegia a obra estrangeira, só depois de mais de 100 anos! E essas empresas ainda tem a cara de pau de querer censurar a internet! Apesar da legislação de copyright garantir a propriedade do autor, ela apresenta um limite de tempo para esse direito. O entendimento é que a sociedade precisa ter acesso ao conhecimento para se desenvolver. Quem disse isso foi a justiça inglesa no século XVIII. A lei americana também afirma esse aspecto de limites, mas as grandes empresas não se contentam com o prazo legal e pressionam o congresso americano, não alterar a lei, mas para aumentar os prazos. Onze vezes nesses últimos 40 anos, os prazos foram aumentados! Se a intenção do legislador era impor um limite, as empresas o violaram. Como as empresas conseguem impor seus mais nefastos desejos ao congresso americano?
Citando o livro Cultura Livre, que consta no final do post:
"No lobbying que levou à aprovação da Sonny Bono copyright Term Extension Act (a mais recente dilatação de prazo dos limites do copyright), essa 'teoria' sobre os incentivos provou ser real. Dez dos trezes deputados que aprovaram a lei na Câmara dos Deputados receberam a máxima contribuição do comitê de ações políticas da Disney; no Senado, oito dos doze senadores que aprovaram a lei no senado receberam contribuições. Estima-se que as entidades representantes das gravadoras, editoras, produtoras (RIAA e MPAA) tenham gastado mais de 1 milhão e meio de dólares em lobbying durante o período eleitoral de 1998. Eles pagaram mais de 200 mil dólares em contribuições de campanha. Estima-se que a Disney tenha contribuído com mais de 800 mil dólares em campanhas de re-eleição durante o período de 1998."
Todas essas informações tem referência na obra do autor. Agora a gente entende porque os congressistas fazem o que as empresas de mídia querem. Então eles usam escravos, não pagam direitos autorais, subornam os políticos, se aliam a ditadores nazi-facistas, querem censurar a internet e ainda por cima impedir o compartilhamento de conhecimento e cultura!
Bem, argumentam alguns, mas e os autores das obras como ficam? Poderia citar a Rita Lee, quando disse, publicamente , que não ganha dinheiro das gravadoras, ganha com seus shows, e baixa música da internet. Ou o Gilberto Gil que colocou todas as suas músicas na internet em um site com livre acesso.
Talvez Peter Gabriel, que levantou a voz contra essas empresas e os projetos de censura americana, assim como o nosso Maurício de Sousa colocou a turma da Mônica contra a censura. Snoop Dog, Will I AM e Kanye West fizeram música para defender o megaupload, site de download desativado pelo FBI, nos EUA. São muitos artistas no mundo inteiro em defesa da liberdade da internet. Como vimos na história os artistas são prejudicados pelas grandes empresas, um caso recente é do filme Atividade Paranormal. Filmado por amadores o filme não foi distribuído porque as distribuidoras disseram que o filme era muito amador, mas uma das distribuidoras o comprou por 30 mil dólares e nas cinco primeiras semanas arrecadou apenas 22 milhões de dólares! Parece que ainda estamos no século XV!
Mas qual será o efeito dos downloads de arquivo na internet para a economia?
Estudo feito pelos economistas Felix Oberholzer-Gee e Koleman Strumpf de Harvard, EUA, concluíram que:
"a troca de arquivos protegidos por direitos autorais não tem efeitos econômicos drásticos. Não vemos evidência alguma de que o compartilhamento de arquivos desencorajou a produção artística. (...) A tecnologia digital diminuiu os custos de produção de filmes e músicas e permitiu que os artistas alcançassem seu público de novas maneiras. O download não representaria, portanto, uma venda perdida -remixes e mashups (músicas misturadas) podem até incentivar a venda de canções originais. Além disso, aumentou a demanda por shows. Na conclusão, os pesquisadores apontam que o maior acesso do público às músicas e uma proteção mais fraca dos direitos autorais, aparentemente, beneficiaram a sociedade".
Para fechar a análise vou citar Paulo Coelho, que virou símbolo da liberdade na internet e do compartilhamento tendo sua imagem estampada no site Pirate Bay, referencia internacional na oferta de filmes, séries, músicas e livros para download gratuitos.
"Assim que fiquei sabendo, decidi participar. Muitos dos meus livros estão lá e, como eu disse em um post anterior, as vendas dos meus livros físicos têm aumentado desde que meus leitores os colocaram em sites de download (...) a ganância não entende que o mundo mudou, e a ignorância pensa que, se a música está disponível gratuitamente, as pessoas não comprarão o CD.(...) O ponto é que nós queremos, antes de mais nada, compartilhar algo(...) a indústria está pensando em direção oposta à de nossa realidade hoje.(...) criei a página Pirate Coelho, que inicialmente tinha autoria anônima e hoje é armazenada em meu blog, no qual compartilho cópias integrais de minhas obras para download."
Diante do que pesquisei eu acredito que o compartilhamento é algo que não tem mais volta, assim como a tipografia de Gutenberg, a impressão de livros, a mecanização da lavoura, a robotização das indústrias automotivas, é evolução. E, da mesma forma que as empresas afirmaram que seus trabalhadores demitidos pela implementação do avanço tecnológico iriam encontrar seu espaço no mercado de trabalho, essas empresas estão sendo acuadas pelo próprio avanço tecnológico e as novas relações decorrentes deles. Serão travadas muitas batalhas mas no final a vitória inexorável será do compartilhamento, que além de ser socialmente justo é uma relação humanista que transcende o capitalismo.
LEIAM ABAIXO A HISTÓRIA DAS 2 MAIORES EDITORAS DO MUNDO
E AGUARDEM O PRÓXIMO POST SOBRE GRAVADORAS E PRODUTORAS DE CINEMA
Maiores Editoras de Livros do Mundo
Pearson-Longman e Bertelsmann são as duas maiores editoras do mundo, juntas possuem 30% do faturamento do mercado de livros do mundo, em 2010 faturaram cerca de 13 bilhões de euros.
A Origem das Editoras
Durante a Idade Média a Igreja e os nobres dominaram toda forma de reprodução escrita, através da nomeação dos copistas, aqueles que copiavam os livros. A invenção da tipografia e da imprensa no século XV, por Gutenberg, quando ainda não existia a patente ou o copyright, resultou na publicação de livros por toda parte, como consequencia uma revolução do conhecimento. Nessa época a nomeação por nobres ou pela a nomeação por nobres ou pela Igreja de livreiros (impressores) criava verdadeiros monopólios e não protegiam os direitos dos autores. Evidentemente que tanto os nobres quanto a Igreja protegiam seus interesses no ato da nomeação, de forma que mantinham um controle sobre as obras publicadas censurando o que lhes convinha. A Igreja Católica proibiu a impressão da bíblia em língua diversa do latim, mas, em 1521, ela foi traduzida para o inglês, impressa na Antuérpia e o seu tradutor, o sacerdote William Tyndale, foi queimado na fogueira por isso. Lutero mandou imprimir sua tradução da bíblia em alemão, em 1534 e a partir daí, outras publicações surgiram, em francês 1528, em espanhol 1569, em tcheco entre 1579-1593, em inglês 1611 e em neerlandês 1637. Os protestantes, ao infringir a lei imposta pelos católicos, foram perseguidos, mas, com o passar do tempo, receberam o apoio de alguns governantes que autorizaram as impressões. Os livreiros que imprimiam livros sem possuir um copyright e autorização ou nomeação do governo corriam o risco de serem presos ou mortos. A situação para esses livreiros só melhorou a partir da implementação da legislação de copyright.
Legislação Da Época Do Surgimento Das Editoras – O Caso Inglês
No período em que os impressores eram nomeados pelo Parlamento inglês, a legislação vigente era o Licensing of the Press Act 1662, o qual determinava que somente os nomeados poderiam imprimir livros e punia as impressões contrárias ao governo, com censura e prisão, mas não regulamentava a propriedade autoral. Em 1710, foi publicado o Statute of Anne (Estatuto da Rainha Anne), que deu o direito aos proprietários das obras ou seus autores pelo prazo de 21 anos após a posse ou produção da obra. Os monopólios continuaram dominando, pois já possuíam o direito de obras de muitos autores, devido a, durante séculos, possuírem exclusividade de impressão, não restando outra opção para os autores a não ser vender o direito de suas obras. Quando do término do prazo do direito pelo estatuto, 21 anos depois (por volta de 1731), eles passaram a ignorar o estatuto e continuaram monopolizando os direitos, resultando em sucessivos processos legais até o ano de 1774, quando o caso Donaldson X Beckett, teve como resultado a ratificação do estatuto. Os monopólios dos livreiros tentaram ampliar o prazo, contudo, foram derrotados mais uma vez, pois conforme entendimento do Câmara dos Lords (citando a decisão):
“Não há Motivo para dar agora um Período maior, de modo a nos obrigarmos a dá-lo novamente sucessivamente, conforme os Anteriores forem Expirando; se esse Projeto passar, ele irá, em suma, criar um Monopólio perpétuo, uma Coisa extremamente odiosa aos Olhos da Lei; ele será uma grande Obstrução para os Negócios, uma Barreira para o Aprendizado, que não retornará nenhum Benefício aos Autores, mas sim uma Taxa pesada ao Público, apenas para aumentar os Ganhos privados dos Livreiros”.
Longman - Pearson
William Taylor foi nomeado pelo Parlamento inglês em 1714 se tornando impressor. As obras estrangeiras não estavam sob a legislação inglesa, portanto, os impressores podiam apresentar um volume da obra na Stationers Company, órgão do governo inglês, do qual o próprio William Taylor já fizera parte, pagar uma taxa, que já seria proprietário dos direitos daquela obra. As livrarias de William Taylor ficavam em Pater Noster Row, próximas a igreja de St. Paul e, conforme o dicionário de biografias de Oxford (de Longmam), essas livrarias já funcionavam desde 1640, período em que não havia direito autoral algum. Neste local existiam muitas livrarias (impressores de livros), que no início vendiam os livros religiosos, determinados pela Igreja, aos poucos foram sendo incluídos os livros apresentados na Stationers Company. Thomas Longman (1699-1755), filho de Ezequiel Longman (morto em 1708), um cavalheiro de Bristol, trabalhou, em 1716, com John Osborn, um livreiro de Londres, e, no término de seu aprendizado, casou com a filha de Osborn. Em agosto de 1724, comprou o estoque de livros, direitos e as livrarias de William Taylor. Após diversas gerações a empresa Editora Longmam se juntou ao conglomerado Pearson. O conglomerado Pearson foi fundado por Samuel Pearson, em 1844, na época somente uma construtora. Seu neto, Weetman Pearson, visconde de Cowdray, parlamentar inglês, representante dos interesses ingleses no México, onde fez diversos contratos de contruções, junto ao governo do ditador Porfírio Diaz, e também de exploração do petróleo. Os trabalhadores mexicanos eram quase como escravos, não recebiam em dinheiro, só recebiam vales que somente poderiam ser usados nos armazéns da própria empresa. Se o trabalhador chegasse atrasado 1 minuto após a entrada (5 horas da manhã) era demitido, além disso trabalhava 12 horas por dia e era proibido manifestações e greves, sindicatos e associações. Enriqueceu e após a queda do ditador, diversificou seus negócios pelo mundo, seus descendentes se juntaram a editora Longmam, formando a Pearson-Longmam, em 1968.
Bertelsmann
Fundada por Carl Bertelsmann em 1835, um missionário protestante, imprime e comercializa livros e hinos religiosos, nenhuma publicação com copyright. Seu editor e cronista, era professor e casado com sua filha mais velha, o qual escrevia, e Bertelsmann publicava, livros escolares. O movimento religioso de Bertelsmann apresentou o seguinte pensamento político: o “povo piedoso” a favor de uma monarquia forte que criaria as condições necessárias para um retorno aos valores cristãos na sociedade. Carl Bertelsmann se tornou secretário do prefeito de Gütersloh durante a ocupação francesa. Bertelsmann, em 1884, sob a direção de Johannes Mohn, também missionário e casado com a filha de Carl Bertelsmann, publicou muitas cartilhas de educação religiosa para acompanhar a colonização alemã na África. Em 1907, Mohn foi para a colônia e fundou uma sociedade de plantação, neste ano ocorreu um massacre na região, os alemães quase dizimaram as tribos colonizadas, os sobreviventes continuaram a ser aproveitados, em trabalho forçado, nas plantações. Em 1910 retorna a Gütersloh onde assume vários cargos políticos, assim como seu predecessor. Seu filho, Heinrich Mohm, dá sequência ao trabalho do pai, publicando obras de apoio ao ideal nazista e de carácter anti-semitista devido a ascensão do nazismo, o que fez com que as vendas da empresa aumentassem. Heinrich fez doações para o partido nazista e seu filho Reinhard foi tenente da SS. As vendas dispararam, atingiram , nos anos 40, cerca de 8 vezes o valor dos anos 20, uma das obras teve 19 milhões de exemplares publicados (eram para os soldados alemães). Além desse sucesso extraordinário nas vendas, reduziu seus custos utilizando judeus em trabalho forçado. Após a guerra Heinrich se afastou e passou a empresa para seu filho. A Bertelsmann comprou diversas outras empresas, entre elas a RCA e a EMI, duas gigantes da área da música.
Referências na Internet (acessadas em 03-02-2012):
As Maiores Editoras do Mundo
A Origem das Impressões
Legislação
Origem dos Livreiros
Informações Sobre William Taylor
História da Longmam
História da Pearson
História da Bertelsmann
Direitos Autorais – Editora FGV – Autores:Pedro Paranaguá e Sérgio Branco - Ano:2009
As Transformações Do Sistema De Patentes, Da Convenção De Paris Ao Acordo Trips - Editora Fundação Heinrich Böll - Autor: Cícero Gontijo - Ano: 2005
Cultura Livre – Sem Editora, liberado na web sob a licença Creative Commons – Autor: Lawrence Lessig – Ano: 2004